Milágrimas
Tenho tido vontade de estar mais perto de Itamar Assumpção, já há algum tempo. Prestar um pouco mais atenção, entender seu estilo de compor e sua mistura de samba, funk e rock.
Vejo-me impedida por dois grandes motivos. O primeiro é que eu não baixo músicas da net. Prefiro ir às boas e velhas lojas, comprar o cd, conferir o encarte, a ficha musical e técnica, ver a arte final. Sou obsoleta. O problema é que não é fácil encontrar Assumpção na loja da esquina ou na loja mais adiante.
A outra questão é minha incompetência em entender o traçado musical característico de Assumpção, que compunha para o contra-baixo, com notas soltas. Depois é que vinha a linha melódica e a harmonia. Queria escutá-lo, e não somente ouvi-lo, compreendendo estas minúcias, em mínimo respeito que eu podia ter a sua música.
O swing de Itamar, paulistano, vanguardista, compositor, arranjador, auto-didata no violão, “artista maldito”, deveria ter tido o mesmo reconhecimento que teve Tim Maia, por exemplo. Não teve por que o Brasil não trata justamente seus artistas populares. Isso é certeza e todo mundo já sabe. E tão precocemente ele se foi, há cinco anos atrás, sem que eu tivesse a chance de ter visto, sequer, um show seu.
Certo também é que, nos momentos de “precisão”, bota pra tocar: Itamar Assumpção!
“Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre.
Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa, coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre.
(Milágrimas é música de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, e é também analgésico).
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6 comentários:
Sueli,
Eu não li seu texto, delicie-me ao fazê-lo.
Não ouvi o som que vinha do fundo escutei-o.
Não li um texto sobre a música de Assumpção, li palavras esculpidas sobre Assumpção. Gosto da distinção deste lugar. É mesmo um blog vir desaguar as mágoas e re-acreditar que males podem se transformar em milágres.
Parabéns
Querido langa,
re-acreditar em milages é, quase sempre, uma corajosa saída.
Escutar, e não somente ouvir, também faz toda a diferença.
Obrigada por fazê-lo.
Um abraço meu à Pérola do Índico e outro a voce.
Desculpe baixar o tom de seu lindo blog, mas só tenho uma palavra para a lembrança aqui feita, para o seu texto, pelo fato de fazer milágrimas de tantas coisas, tal qual essa canção que não conhecia, mas que, daqui por diante, fará parte de minha soulmusic. FODA!!!!
Até quando o mercado musical não dará conta de artistas sem classificação, por isso alcunhados de vanguardistas ou malditos? Seu texto, misto de lirismo e indignação, traz à memória muito do que ainda nos falta...
Já que você prefere CDs, baixarei o que puder dele e farei um lindo CD milagrimado pra vc, viu?
Um grande beijo
Querida irmã Fá-soulsista,
voce tem razão: quando o mercado musical não dá conta, pelas próprias razões mercadológicas, de determinados artistas, passa a alcunhá-los. Aí, é foda!
Porém,com o perdão da palavra, Itamar é "de fuder" (em baianês é com U, viu). Talvez algum dia ainda escreva sobre o sentido libertário dos palavrões em nosso cotidiano, mutatis mutandis. Depois, madarei o texto para voce, que é das letras, corrigir, tá?
Aproveito para agradecer as palavras afetuosas na postagem das pretas.
Ficarei esperando o cd "milagreiro" e não criticaria se ele viesse com os créditos das músicas (risos).
Um grande beijo, amiga.
Su,
Não me atreverei a analisar a música de Itamar... assumo não ter competência para tal. Em compensação confesso que essa letra é simplesmente talhadinha prá mim, rsrsrs
Bj
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