fotos: cmi brasil (Centro de Midia Independente: www.midiaindependente.org)
Há algumas semanas atrás, conversei com uma mulher grávida e de olhar muito tristonho.
Neste dia, eu estava, como sempre, muito ocupada com a burocracia que enche a minha mesa de trabalho e que garante o meu salário no final do mês.
A mulher entrou na sala, a fim de me pedir alguma coisa, que eu já nem lembro mais o que era. E eu, mais por educação e por dever profissional do que por vontade própria, parei para ouvi-la. Confesso que queria mesmo era não ser interrompida no que eu estava fazendo naqueles processos de capa azul.
E, então, mais por simpatia do que por gentileza, perguntei de quantos meses era a gravidez.
- Cinco meses nas minhas contas e seis nas contas do médico.
- Mas, sua barriga ta tão pequena! É seu primeiro filho?
- É.
-Ah, que bom!
- É. Mas, o médico disse que ele tá com...não sei o nome...é aquele problema de não ter cérebro.
- E você, como está se sentindo?
- Me sentindo mal. O médico disse que ele não vai viver. Tenho que esperar os nove meses, se ele não morrer antes.
Subitamente, um nó cresceu na minha garganta, destes nós que nos apertam por até muitos dias depois.
Após cumprir fielmente as horas do meu dia que vendo para o governo federal, eu fui viver as minhas próprias horas. Neste dia, não fiz o caminho de sempre de volta para casa, por que sempre que tenho um nó, ou uma alegria, pego o caminho mais longo, de onde eu possa ver o mar.
Para minha infelicidade existem os semáforos nas ruas da cidade, que obrigam todo mundo, pedestres e motoristas, a parar... e a passar.
Justamente, neste dia de nó, uma menininha que não tinha mais que cinco anos, aproxima-se e, num gesto automático, beija o capô do carro, fazendo um tipo de malabaris com a sua pouca força de vida e com suas mãozinhas pequenas.
Uma menina de olhar tristonho.
E uma menina tão comum e tão numerosa nas sinaleiras desta Cidade.
Usando da gíria atual, uma menina que virou estatística.
Hoje, que é domingo, eu passei novamente por aquele caminho e por aquela sinaleira. Acontecia ali uma manifestação a favor da descriminalização do aborto, como parte das atividades do Dia Latino-americano pela legalização e descriminalização do aborto.
As manifestações ocorrem na América Latina e no Caribe desde 1990.
Eu, que amo as crianças (que o digam os meus anjinhos Gabi, Rafa e Ju);
Eu, que sempre me desconforto ao ver crianças em sinaleiras, ou servindo de ‘avião’ para o tráfico, ou com fome, ou sem nenhuma condição de sobrevivência;
Eu, que acho que toda mulher deve ter o controle de sua vida, de sua sexualidade, do seu corpo e da sua vontade;
Eu, que me comovo ao sentir a dor de outra mulher que espera um bebê anencéfalo, por talvez, nove meses para depois vê-lo morrer.
Sou a favor da descriminalização do aborto e subscrevo em apoio aos vinte e oito pontos, a seguir transcritos, conforme proposto pelo Movimento de Mulheres.
Gracias a la vida!
Obrigada a minha amiga Ana, assistente social de primeira linha, pela lembrança do ato público na Ondina.
28 MOTIVOS PARA LEGALIZAR O ABORTO NO BRASIL
1. Porque as mulheres devem ter o direito à vida.
2. Porque se trata de uma questão de exercício de autonomia e de liberdade do corpo feminino.
3. Porque são as mulheres que enfrentem os desconfortos que acompanham a gravidez e o parto e, portanto, as mulheres devem ter o direito de decidir sobre o que acontece em seus próprios corpos.
4. Porque nem toda gravidez é desejada e planejada.
5. Porque a interrupção da gravidez deve ser uma questão de foro íntimo e não caso de polícia.
6. Porque cada uma que toma esta difícil decisão deve ser apoiada e não condenada.
7. Porque o Estado brasileiro deve garantir e respeitar os direitos reprodutivos das mulheres.
8. Porque a mulher com uma gravidez indesejada fica exposta ao sofrimento e à solidão de decidir sobre a interrupção da gravidez.
9. Porque não existe suporte social diante dos conflitos que acompanham uma gravidez indesejada.
10. Porque não existe suporte social e econômico adequado para as mulheres criarem os filhos que trazem ao mundo.
11. Porque os métodos contraceptivos não são infalíveis.
12. Porque os serviços de saúde não se organizam de modo eficaz para garantir o atendimento das necessidades contraceptivas e, portanto, as mulheres não podem ser culpabilizadas pela oferta irregular dos métodos anticoncepcionais.
13. Porque muitas vezes o parceiro não permite que a mulher faça uso de contraceptivos e se recusa a usar camisinha.
14. Porque o parceiro quase sempre é ausente nas decisões sobre a gravidez, tendo a mulher que assumir sozinha a responsabilidade de decidir pelo aborto.
15. Porque a paternidade responsável ainda não faz parte da cultura brasileira.
16. Porque o aborto realizado em condições ilegais e inseguras é a quarta causa de mortalidade materna no país.
17. Porque em Salvador, local onde as desigualdades sociais são maiores, esta é a primeira causa de morte materna.
18. Porque a interrupção voluntária da gravidez não deve se tornar uma sentença de morte para as mulheres
19. Porque a morte de uma mulher devido a um aborto em condições inseguras desestrutura famílias e deixa crianças órfãs.
20. Porque não pode ser crime a opção de interromper a gravidez.
21. Porque a criminalização do aborto não reduz o número de abortos que acontecem.
22. Porque o crime prescrito para a mulher que aborta foi arbitrariamente definido em 1940, com uma realidade muito diferente da atual.
23. Porque o Estado brasileiro é laico e, portanto não pode legislar com base em valores religiosos.
24. Porque a legalização do aborto não implica em obrigatoriedade: as mulheres que não querem fazer aborto não serão obrigadas a fazê-lo.
25. Porque a ilegalidade e o abortamento em condições inseguras se traduzem em altos custos aos cofres públicos devido aos internamentos
26. Porque em todos os países nos quais o aborto foi legalizado, houve uma drástica queda nos índices de mortalidade materna.
27. Porque só mesmo as clínicas clandestinas de abortamento é que lucram com a ilegalidade
28. Porque a criminalização serve apenas para manter a moralidade patriarcal que utiliza a culpa e o castigo como instrumentos normativos (de controle sobre as mulheres).
Assina:
MOVIMENTO DE MULHERES DE SALVADOR
Há algumas semanas atrás, conversei com uma mulher grávida e de olhar muito tristonho.
Neste dia, eu estava, como sempre, muito ocupada com a burocracia que enche a minha mesa de trabalho e que garante o meu salário no final do mês.
A mulher entrou na sala, a fim de me pedir alguma coisa, que eu já nem lembro mais o que era. E eu, mais por educação e por dever profissional do que por vontade própria, parei para ouvi-la. Confesso que queria mesmo era não ser interrompida no que eu estava fazendo naqueles processos de capa azul.
E, então, mais por simpatia do que por gentileza, perguntei de quantos meses era a gravidez.
- Cinco meses nas minhas contas e seis nas contas do médico.
- Mas, sua barriga ta tão pequena! É seu primeiro filho?
- É.
-Ah, que bom!
- É. Mas, o médico disse que ele tá com...não sei o nome...é aquele problema de não ter cérebro.
- E você, como está se sentindo?
- Me sentindo mal. O médico disse que ele não vai viver. Tenho que esperar os nove meses, se ele não morrer antes.
Subitamente, um nó cresceu na minha garganta, destes nós que nos apertam por até muitos dias depois.
Após cumprir fielmente as horas do meu dia que vendo para o governo federal, eu fui viver as minhas próprias horas. Neste dia, não fiz o caminho de sempre de volta para casa, por que sempre que tenho um nó, ou uma alegria, pego o caminho mais longo, de onde eu possa ver o mar.
Para minha infelicidade existem os semáforos nas ruas da cidade, que obrigam todo mundo, pedestres e motoristas, a parar... e a passar.
Justamente, neste dia de nó, uma menininha que não tinha mais que cinco anos, aproxima-se e, num gesto automático, beija o capô do carro, fazendo um tipo de malabaris com a sua pouca força de vida e com suas mãozinhas pequenas.
Uma menina de olhar tristonho.
E uma menina tão comum e tão numerosa nas sinaleiras desta Cidade.
Usando da gíria atual, uma menina que virou estatística.
Hoje, que é domingo, eu passei novamente por aquele caminho e por aquela sinaleira. Acontecia ali uma manifestação a favor da descriminalização do aborto, como parte das atividades do Dia Latino-americano pela legalização e descriminalização do aborto.
As manifestações ocorrem na América Latina e no Caribe desde 1990.
Eu, que amo as crianças (que o digam os meus anjinhos Gabi, Rafa e Ju);
Eu, que sempre me desconforto ao ver crianças em sinaleiras, ou servindo de ‘avião’ para o tráfico, ou com fome, ou sem nenhuma condição de sobrevivência;
Eu, que acho que toda mulher deve ter o controle de sua vida, de sua sexualidade, do seu corpo e da sua vontade;
Eu, que me comovo ao sentir a dor de outra mulher que espera um bebê anencéfalo, por talvez, nove meses para depois vê-lo morrer.
Sou a favor da descriminalização do aborto e subscrevo em apoio aos vinte e oito pontos, a seguir transcritos, conforme proposto pelo Movimento de Mulheres.
Gracias a la vida!
Obrigada a minha amiga Ana, assistente social de primeira linha, pela lembrança do ato público na Ondina.
28 MOTIVOS PARA LEGALIZAR O ABORTO NO BRASIL
1. Porque as mulheres devem ter o direito à vida.
2. Porque se trata de uma questão de exercício de autonomia e de liberdade do corpo feminino.
3. Porque são as mulheres que enfrentem os desconfortos que acompanham a gravidez e o parto e, portanto, as mulheres devem ter o direito de decidir sobre o que acontece em seus próprios corpos.
4. Porque nem toda gravidez é desejada e planejada.
5. Porque a interrupção da gravidez deve ser uma questão de foro íntimo e não caso de polícia.
6. Porque cada uma que toma esta difícil decisão deve ser apoiada e não condenada.
7. Porque o Estado brasileiro deve garantir e respeitar os direitos reprodutivos das mulheres.
8. Porque a mulher com uma gravidez indesejada fica exposta ao sofrimento e à solidão de decidir sobre a interrupção da gravidez.
9. Porque não existe suporte social diante dos conflitos que acompanham uma gravidez indesejada.
10. Porque não existe suporte social e econômico adequado para as mulheres criarem os filhos que trazem ao mundo.
11. Porque os métodos contraceptivos não são infalíveis.
12. Porque os serviços de saúde não se organizam de modo eficaz para garantir o atendimento das necessidades contraceptivas e, portanto, as mulheres não podem ser culpabilizadas pela oferta irregular dos métodos anticoncepcionais.
13. Porque muitas vezes o parceiro não permite que a mulher faça uso de contraceptivos e se recusa a usar camisinha.
14. Porque o parceiro quase sempre é ausente nas decisões sobre a gravidez, tendo a mulher que assumir sozinha a responsabilidade de decidir pelo aborto.
15. Porque a paternidade responsável ainda não faz parte da cultura brasileira.
16. Porque o aborto realizado em condições ilegais e inseguras é a quarta causa de mortalidade materna no país.
17. Porque em Salvador, local onde as desigualdades sociais são maiores, esta é a primeira causa de morte materna.
18. Porque a interrupção voluntária da gravidez não deve se tornar uma sentença de morte para as mulheres
19. Porque a morte de uma mulher devido a um aborto em condições inseguras desestrutura famílias e deixa crianças órfãs.
20. Porque não pode ser crime a opção de interromper a gravidez.
21. Porque a criminalização do aborto não reduz o número de abortos que acontecem.
22. Porque o crime prescrito para a mulher que aborta foi arbitrariamente definido em 1940, com uma realidade muito diferente da atual.
23. Porque o Estado brasileiro é laico e, portanto não pode legislar com base em valores religiosos.
24. Porque a legalização do aborto não implica em obrigatoriedade: as mulheres que não querem fazer aborto não serão obrigadas a fazê-lo.
25. Porque a ilegalidade e o abortamento em condições inseguras se traduzem em altos custos aos cofres públicos devido aos internamentos
26. Porque em todos os países nos quais o aborto foi legalizado, houve uma drástica queda nos índices de mortalidade materna.
27. Porque só mesmo as clínicas clandestinas de abortamento é que lucram com a ilegalidade
28. Porque a criminalização serve apenas para manter a moralidade patriarcal que utiliza a culpa e o castigo como instrumentos normativos (de controle sobre as mulheres).
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