sábado, 21 de março de 2009

Carta Repúdio à Imobiliária Borja

Minha solidariedade à Luciana Pinto, colega assistente social, mulher negra, como eu, ainda sujeita a atos discriminatórios e racistas, como o que ocorreu na Imobiliária Borja.
Transcrevo o email encaminhado por Luciana, bem como a sua carta de repúdio à referida empresa imobiliária.
Triste Bahia, a Roma Negra!
(obrigada amiga Ana Maria, pelo repasse da carta!)


Pessoal
Abaixo segue a carta de repúdio (já encaminhada à imobiliária Borja, em Salvador) pela atitude de discriminação que teve comigo na última quarta-feira.
Além de outras providências que estamos tomando aqui, pedimos aos amigos/as que divulguem em suas listas de e-mails e quem puder e quiser, pode reafirmar o contéudo, assinar e redirecionar para -
borjaimobiliaria@ hotmail.com ou para o fax (071) 3264 70 00. Precisamos, minimamente, intimidar outros desgastes dessa natureza!
É isso.
Grande abraço
Luciana Pinto.

À Imobiliária Borja
At. Sr. Borja
Prezado Senhor
Venho através desta refletir acerca do tratamento que recebi na sua imobiliária na última terça-feira, dia 16/03/2009, quando a visitei na ilusória pretensão de alugar um apartamento situado à Rua Banco dos Ingleses, Edifício Anury, Campo Grande – Salvador.
Ora, mas quanta petulância, não é? Uma mulher, negra, solteira, sozinha numa capital como esta, querer morar numa área tão privilegiada da cidade!
Pois bem, é na condição de mulher, solteira, negra, de classe social não tão privilegiada e que vive sozinha, sim, na Bahia, que venho destacar o meu repúdio ao tratamento que recebi de sua pessoa.
Entendo as burocracias do mundo imobiliário e acho que garantias são necessárias em procedimentos como compra, venda ou locações de imóveis ou outros tipos de bens de maior valor.
Mas, indiscutivelmente, gostaria de fingir que não entendi o tom de voz utilizado comigo pelo senhor ao me repassar as “exigências” da imobiliária para a locação. Tampouco gostaria de não ter entendido as "peculiaridades" apontadas para esse processo.
Mas claro que como uma mulher pós-graduada, com acesso à informação e capacidade de crítica social – não receio em chamar essa atitude de DISCRIMINAÇÃO. E talvez caiba lembrá-lo, ou informá-lo caso não tenha ciência, que discriminação, pela lei brasileira vigente, constitui-se como crime.
Só não sei mesmo por quais elementos da minha identidade essa discriminação se deu. Seria por eu ser mulher, negra, ou por não estar figurando entre as classes sociais mais abastadas da sociedade soteropolitana.
Seria muita ingenuidade minha achar que apenas um desses aspectos tivesse lhe levado à desconfiança. Então, só me resta crer que deve ter sido por todos eles juntos.
Chego a imaginar a sua expressão querendo me convencer de que houve um engano, que eu estava nervosa, ansiosa, ou outra característica que machismo atribui a – "coisas de mulher". Será mesmo?
Então por favor, me diga: por que eu deveria ter como fiador um MÉDICO, ou um funcionário público que, não fosse “soldado raso”, como o senhor se referiu aos trabalhadores brasileiros que, vinculados ao governo, ganham menos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
Porque não serviria uma fiadora (também mulher, também solteira e que tivesse a mesma profissão que eu – ASSISTENTE SOCIAL?)
Qual o problema de se trabalhar em uma ONG? A respeito disso, para o caso de precisar se atualizar sobre o assunto e, da próxima vez, referir-se a esse espaço de atuação profissional com mais conhecimento, recomendo que consulte alguns sites de organizações, disponiveis, por exemplo, no portal da Associação Brasileira de ONGs - ABONG -
www.abong.org. br.
Ah, não entendo também porque a dúvida de que é possível se ter um pró-labore mensal, fruto de um pequeno empreendimento e comprová-lo através de uma DECORE – Declaração Comprobatória de Percepção de Rendimentos – emitida por profissional de contabilidade habilitado com referendo dos Conselhos Regionais de Contabilidade. É com esse documento que muitos brasileiros autônomos hoje conseguem conquistar importantes bens materiais, sabia?
Ah, também não entendo porque é que seria de bom tom eu ter um carro para comprovar minha lisura. Só posso concluir que minha lisura deve estar diretamente vinculada às estrelas do meu cartão de crédito ou ao extrato da minha conta bancária.
Não entendo porque um inquilino que ainda nem ocupou o imóvel tem de pagar por uma chamada "taxa de pintura", que será utilizada quando da recisão contratual. Poxa, o morador nem chegou e já tem que arcar com despesas de saída? É isso mesmo? Ora, isso não é estimulante, Senhor Borja. Talvez seja um caso de um planejamento na sua empresa, para rever suas estratégias de lucro.
E mais ainda, não entendo porque essas informações tão precisas não me foram passadas por escrito, já que a imobiliária é tão exigente com "alguns" de seus supostos clientes.
Bem, ainda que todas essas “exigências” me fossem comprovadas legalmente como imprescindíveis, eu ainda assim estaria despreendendo energia para lhe escrever essa carta e dizer que não estou acostumada a esse tipo de tratamento preconceituoso, que sem dúvida não deve ter sido dispensado ao – segundo descrições suas – "homem rico e poderoso que estava interessado em alugar o mesmo apartamento que eu". Novamente segundo o senhor: "um apartamento que para ele seria simplório" – não é mesmo?
Provavelmente o senhor, do "topo" do seu “poder”, de quem vê o mar do alto, mas está longe de ser Deus, não deve precisar de outras clientes como eu. O que é bom para todos. Afinal, deve lidar com muitos potenciais clientes de classe mais abastada, como o cidadão que alugou o referido imóvel. Talvez esteja até achando tudo isso uma grande balela. Paciência. Estou fazendo a minha parte para tentar evitar que outras pessoas sofram o mesmo tipo de constrangimento que eu sofri.
Finalizando, não conheço funcionários públicos federais que ganhem cerca ou mais de 8 mil reais e tenham um carro e dois imóveis escriturados em seu nome. Ou seja, não conheço o que o senhor caracteriza como: "um bom fiador".
Ah e também não tenho um médico na família. Mas, tê-lo de nada adiantaria, pois, dificilmente um médico, principalmente se fosse funcionário público, teria condições de ser meu fiador em sua imobiliária. Fato que a essa altura só me causam contentamento, pois me favorecem a nunca me tornar sua cliente.
A título de informação, talvez seja interessante aproveitar essa oportunidade explicar-lhe que um médico vinculado ao SUS, tem hoje, segundo dados do Conselho Regional de Medicina da Bahia – CREMEB - um salário base de R$ 550,00, com variações até o teto máximo de R$ 2.800,00, de acordo com as gratificações, que são diretamente ligadas ao número de especialidades, carga horária, cirurgias e outros procedimentos realizados diariamente. Portanto, talvez tenha faltado o senhor me informar de que país deveria ser esse médico tão abastado que afiançaria minha locação.
Bem, acho que outras informações sobre esse assunto ou sobre a realidade de outros profissionais que o senhor disse – sem justificativa – "rejeitar para a condição de fiador", como – advogados, contadores e pelo visto, os próprios assistentes sociais, o senhor pode obter navegando em sites na Internet ou buscando programas de TVs informativos. Para isso veja o guia de canais de sua TV a cabo.
No mais, solicito que agradeça por mim aos seus funcionários, pela distinção com a qual me trataram e a título de crítica construtiva, sugiro que o senhor aprenda com eles algumas posturas mais cordiais, para usar com outras pessoas que procurem seu estabelecimento, independente de gênero, raça ou padrão social, ainda que estes seguramente, não sejam indicados por mim e nem por nenhuma das pessoas com quem partilhei esse fato.

Salvador, 19 de março de 2009.
Luciana Pinto.

terça-feira, 3 de março de 2009

Mês do Teatro e do Circo

Veja a programação das Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia, em comemoração ao Mês do Teatro e do Circo, divulgada pela Fundação Pedro Calmon. É tudo de graça!
Clique na imagem para ampliá-la.
Boa diversão!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Mas... e se o carnaval durasse o ano inteiro?

Foto extraída daqui
“Tô me guardando para quando o carnaval chegar”. “Pra tudo se acabar na quarta-feira.” “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”. “Ah! Que bom você chegou, bem vindo a Salvador, coração do Brasil”. “Vai buscar Dalila, vai buscar Dalila, ligeiro”.
Marchinhas, sambas, pagodes, axé-music... Decibéis para os ouvidos a qualquer hora.
Luzes, megavolts, claridade para os olhos de dia e de noite.
Cores, abadás, fantasias, shortinhos para as mulheres, camisetas para os homens.
Rebolados e remelexos, paqueras, flertes, gandaia, sorrisos, água mineral e cerveja.
Daqui e de lá, somamos quase quatro milhões de pessoas pelas ruas de Salvador, abrigados por uma superestrutura (já não sei se é com hífen ou sem, por conta do acordo ortográfico) de segurança, saúde e transporte de massa.
Quatro milhões de pessoas que intercambiam redes sociais, de linguagem, de sotaques e de suores, sob o mesmo céu e sob o mesmo som.
Explicar o carnaval de Salvador é tentar o inexplicável, pelo menos para mim. É a festa do exagero, dos números exacerbados. Tudo se eleva a décima potência, quer seja na estrutura da folia, quer seja em nossos poros de subjetividade.
Acredito que é proibido pensar nestes dias de festa, ainda que seja pensar sobre a própria festa, pois é o prazer, a liberdade de exprimir e de sentir que está em vaporização.
É o tempo do estar à toa!
Considero que é uma experiência pela qual todo ser humano que se preze tem de passar, pelo menos uma vez em sua vida. Entretanto, é preciso ter coragem, preparo físico e coração aberto para enfrentar a multidão, caso não queira ouvir o refrão da Timbalada: “ se não agüenta, pra que veio?”.
Como diz meu amigo Beto, a vida se divide em AC e DC. Antes do carnaval e depois do carnaval.
Voltamos à “aparente normalidade”, sem megavolts, megahertz, megadecibéis. Recompomos-nos e aqui estamos nós, bem vindos a nossas rotinas.
Numa volta pelo centro de Salvador, logo após a folia, senti um quê de falsidade exalando da Cidade. Ela estava recomposta e, rapidamente, vestida de paletó e gravata, de lojas abertas, de ruas limpas, de congestionamentos, de sons urbanos, apenas.
A instantânea capacidade de auto-regeneração me soou muito falsa.
Entrei no prédio em que moro, fechei o portão da garagem, desliguei o motor do carro. Subi para o meu apartamento e apelei para Chico Buarque. Cantei.
“A minha gente sofrida despediu-se da dor, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor. A marcha alegre se espalhou pela avenida e insistiu...Minha cidade toda se enfeitou, pra ver a banda passar...Mas, para o meu desencanto o que era doce acabou. Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou. E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor, depois da banda passar, cantando coisas de amor.”
Então, estou no DC. Estou de volta! Estou na área! Estou por aqui...depois da banda passar!
Mas...e se o carnaval fosse o ano inteiro?!