quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"Também, olhem como vocês estão vestidos, olhem para o cabelo de vocês..."

Tudo começou quando a gente conversava/Naquela esquina alí/De frente àquela praça/Veio os homens/E nos pararam/Documento por favor/Então a gente apresentou/Mas eles não paravam/Qual é negão? qual é negão?O que que tá pegando?Qual é negão? qual é negão?/É mole de ver/Que em qualquer dura/O tempo passa mais lento pro negão/Quem segurava com força a chibata/Agora usa farda/Engatilha a macaca/Escolhe sempre o primeiroNegro pra passar na revista/Pra passar na revista/Todo camburão tem um pouco de navio negreiro/Todo camburão tem um pouco de navio negreiro[1]

Revoltante, triste, sem explicações, sem desculpas. Inafiançável!
Embora já noticiado em outros blogs, faço questão de reproduzir, com a devida autorização, a reportagem-denúncia que nosso colega Marcus Vinicius (obrigada, marquinhos!), fez circular numa das listas de discussão dos mestrandos e doutorandos do Programa de Pós Gradução em Estudos Étnicos e Africanos, do Centro de Estudos Afro-Orientais, da Universidade Federal da Bahia. Percebi, aliás, que nenhuma voz dignou-se a levantar sobre o assunto, talvez, por que ja estejamos acostumados, né! Mea culpa, tento redimir-me aqui.
Esta é a minha primeira “homenagem” ao mês da consciência negra.
E viva a minha Bahia, a nossa Roma Negra!
Eis fato, enfim.

SALVADOR: UMA CENA COTIDIANA
Taxista simula assalto e passageiros são agredidos por policiais
Sucessão de equívocos ocorreu após show no Pelourinho
Por: André Luís Santana - jornalista (DRT BA 2226) 71. 9106-1512
Um taxista, motivado pelo racismo, simula uma tentativa de assalto, acusando os passageiros - três jovens negros - e despertando a atenção de uma viatura da Polícia Civil de onde saem três policiais armados que, antes de qualquer esclarecimento, xingam e agridem os jovens, deixando, inclusive, um deles nú em via pública.
Na delegacia para onde foram levados, mais uma sucessão de humilhações e desrespeitos. O que era para ser um fim de festa tranqüilo para os amigos, Ítala Correia, Saturnino Silva e Henrique dos Santos, virou um pesadelo que tem custado sair da lembrança dos jovens.
Na madrugada de sábado para domingo, 26, após assistirem ao show da Banda Lampirônicos, no Centro Histórico de Salvador, os jovens, todos moradores do bairro da Boca do Rio, resolveram pegar um táxi, para garantir mais conforto e segurança na volta para casa. Ledo engano. Entraram no Corsa JRA 1505, do taxista César Augusto da Silva Purificação Santos, de 49 anos (Alvará A-1753), no Terreiro de Jesus. Próximo dali, após passar pelo Campo da Pólvora, o motorista iniciou uma crise de pânico, gritando e demonstrando medo.A princípio, os jovens tentaram acalmar o taxista, pois pensaram se tratar de algum repentino problema de saúde.
No início da Ladeira da Fonte Nova, o motorista, ao avistar uma viatura - um Eco Sport da Delegacia do Adolescente Infrator / DAI, parou o taxi e saiu gritando que estava sendo assaltado. "Até então, ainda não entendíamos o que estava ocorrendo. Primeiro pensamos que ele passava mal, estava tendo uma crise de epilepsia. Depois pensamos que o carro estava sendo assaltado por alguém que estava do lado de fora. Foi uma tensão terrível", explica com tristeza a produtora cultural Ítala Correia, de 21 anos.
Quando os jovens conseguiram sair do carro, já que o motorista havia travado todas as portas, já encontraram três policiais com armas em punho apontadas para eles. "A partir daí foi muito xingamento, humilhação. Revistaram minha amiga de forma abusiva, levantando a roupa dela e xingando-a de puta, vagabunda e outros palavrões. Tive que ficar nú em plena rua", relembra o garçom, Saturnino Silva, de 30 anos.
Na confusão para sair do carro, Ítala caiu e bateu o queixo no chão. Mesmo sangrando, a jovem continuou a ser agredida verbalmente pelos policiais, atendendo ao desespero do taxista que continuava afirmando que os jovens o assaltariam.
A jovem foi atendida no 5º Centro de Saúde, no Vale dos Barris, e levou cinco pontos no queixo, além de apresentar manchas roxas pelo corpo.
"Como eu já sai do carro correndo, pois achava que nós é que seríamos assaltados, os policias apontaram a arma para mim e chegaram a engatilhar. Tive que me jogar no chão. Por pouco não fui morto", conta o jogador de basquete Henrique dos Santos, de 28 anos, que havia participado, na manhã de sábado, do campeonato de Basquete de Rua, promovido pela Central Única das Favelas - CUFA.
Policiais da 1º Delegacia, no Complexo dos Barris, alegaram que a roupa do esportista (camisa e bermuda largas), foram as razões para despertar o medo no taxista."Também, olhem como vocês estão vestidos, olhem para o cabelo de vocês, era o que dizia um dos policiais que nos atenderam na Delegacia, justificando a ação do taxista", conta Henrique.
Os jovens acreditam que a ação policial, ainda na Ladeira da Fonte Nova, só não foi pior porque o tio de Ítala, o comerciante do Pelourinho, Wilson Santos, também morador da Boca do Rio, conduzia seu automóvel, junto com a esposa, e acompanhava o táxi que levava os jovens. Ao ver a movimentação policial, Wilson soltou do carro e se colocou na frente dos agentes, entre as armas e os jovens, tentando convencer os policiais do equívoco que ocorria.
No Boletim de Ocorrência, assinado pelo agente Júlio César dos Santos Batista, está descrita a calúnia e simulação de assalto, com a alegação do taxista de que "os jovens fizeram movimentos bruscos dentro do carro". Os amigos explicam que o próprio motorista perguntou se havia alguma porta aberta e todos foram verificar, respondendo negativamente. Depois disso, o condutor travou todas as portas e iniciou o desespero repentino.Os três jovens já deram queixas em todas as instâncias que tiveram acesso: como o Disk Racismo, a Gerência de Táxi da Prefeitura de Salvador - GETAXI e o Procon, ainda restando ir à Corregedoria da Polícia Militar e ao Ministério Público. Eles esperam que a ação preconceituosa do taxista e a abordagem abusiva dos policiais não fiquem impunes. "Somos jovens de bem, trabalhamos, não usávamos drogas, nem estávamos cometendo nenhum delito.Toda a suspeita e agressão foram motivadas pela nossa cor, nossos cabelos. É um absurdo que ainda tenhamos que conviver com atitudes como essa", revolta-se Ítala.
"Poderíamos estar todos mortos. Aí seria alegado que estávamos envolvidos com o tráfico de drogas. Já imagino as manchetes: Tentativa de assalto termina com morte de três assaltantes", assustasse Saturnino, referindo-se às práticas constantes no noticiário baiano, quando se trata do assassinado de jovens negros da periferia (fim).

[1] Todo camburão tem um pouco de navio negreiro é música de Marcelo Yuka, um dos fundadores da banda O Rappa, e é a que eu escuto ao escrever esta postagem.

Um comentário:

Unknown disse...

Su,
Confesso não ter muita aproximação com a música do Rappa e ter prestado atenção na frase "Todo camburão tem um pouco de navio negreiro" ao lê-la no orkut de Sabrina, que é uma pessoa muito antenada e tembém tem se deliciado com o seu blog.
Ainda não sei se foi a temática do preconceito que nos últimos tempos se aproximou do meu cotidiano ou fui eu que me aproximei dela, enfim... tenho prestado mais atenção na violência que tem como pano de fundo a questão da raça/cor/genero com suas nuances e, constato com tristeza, que muito há por fazer até que possamos ter uma sociedade liberta das amarras da colonização e fundamentada na imposição das desigualdades e diferenças sociais. Não posso dizer da esperança de que nossos netos tenham uma experiencia diferente, afinal, os filhos ainda não chegaram...
Bj